INDIANARA E A REGULAMENTAÇÃO DA PROSTITUIÇÃO

Transcrição da entrevista que Indianara Alves Siqueira concedeu a esta página e ao blog de Jaqueline Furacão [06/10/2014], mais especificamente do trecho onde ela aborda a história do PL Gabriela Leite e os sentidos que a lei assume para o exercício da prostituição e para sua rede de prestadores de serviços.

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JAQUELINE FURACÃO: “Aproveitando esse assunto [a discussão sobre o começo de Indianara na prostituição], eu queria saber o que você acha da Lei Gabriela Leite. Qual é a sua história com essa lei?”

INDIANARA: “O PL Gabriela Leite, o PL como foi discutido pela Rede Brasileira de Prostitutas, que é uma rede organizada no Brasil, por mulheres de todas as regiões do Brasil, mulheres que se organizaram em rede depois dos anos oitenta – a gente chama de a nossa musa ou a nossa chefe Gabriela Leite, que morreu ano passado. E com a Gabriela, pelas questões do HIV, a rede se reuniu primeiro pra políticas públicas, na área de prevenção, e aí viu a necessidade de se criar leis que regulamentassem a prostituição. Primeiro foi o debate sobre a Classificação Brasileira de Ocupações, 5198-5, que acabou sendo aprovada, gerou todo um debate mas foi aprovada; depois, então, foi o PL Gabriela Leite, que era o PL de regulamentação da prostituição e uma homenagem a Gabriela. As pessoas imaginam que o PL parece que ele saiu da cabeça do Jean, que o Jean acordou e “ah, hoje eu vou representar a prostituição”. Não foi bem assim. Foi um acordo entre ele e Gabriela, a Gabriela estava se candidatando a deputada federal, o Jean a deputado federal, então eles entraram em acordo que aquele que entrasse, bom, se os dois passassem, ótimo, eles se apoiariam mutuamente, mas, se um deles não passasse, quem fosse eleito levaria e defenderia a pauta do outro. Como Gabriela não foi, o Jean levou, honrou a palavra dele, muito coerente. E, assim, é um PL muito espinhoso, ninguém queria discutir, principalmente as mulheres deputadas, não queriam defender, brigar por essa causa, então eu acho muito ridículo, a palavra mais correta é essa, de algumas feministas radicais quando elas dizem que o Jean silencia a voz das mulheres: ele foi o único que deu voz às prostitutas, ele foi o único que fez ecoar a voz das prostitutas no Congresso. Como ele silencia a voz dessas pessoas? Então, vá primeiro conhecer o PL, conhecer a história do PL Gabriela Leit, não critique, não seja contra – você pode até debater e você pode não estar de acordo com ele, mas você não pode ser contra ele ser aprovado porque isso é negar o direito a mulheres, e negar o direito a homens, porque quando se diz que a prostituição é algo somente de mulheres você está tornando invisível a prostituição masculina, nas saunas gays por exemplo.”

AMARA MOIRA: “O que eu ouvi falando é que uma prostituta, se ela quiser contribuir com o INSS, ela pode já ter algum benefício social que essa lei garantiria a ela. Então, qual seria para a prostituta que se prostitui o grande benefício da lei? Porque, pra cafetina, pro cafetão, a gente vê claramente qual é e a gente não pode ser hipócrita de querer negar essa possibilidade a essas pessoas, continuar considerando isso um trabalho ilegal, continuar considerando a cafetinagem exploração sexual, quando nem sempre ela é. Mas com relação à prostituta em si, quais são os grandes benefícios que ela ganha com a regulamentação?”

INDIANARA: “É o contrário na realidade: a aprovação do PL Gabriela Leite não daria mais poder aos cafetões e cafetinas, ele retiraria esse poder. Porque cafetões e cafetinas só existem porque a sociedade tem uma visão da prostituição que ela é ilegal, quando na verdade ela nunca foi ilegal no Brasil e ela já chegou até a ser regulamentada de certa maneira. Hoje, podemos sim pagar, já ter o benefício do INSS, mas a nossa rede de prestadores de serviço toda é criminalizada. Então, por exemplo, se hoje eu me prostituo nesse bar e a polícia chega aqui e resolve fechar o bar porque ele incentiva, porque ele facilita a prostituição, a exploração sexual de pessoas, a cafetinagem, o rufianismo, etc., amanhã eu vou trabalhar aonde? Vou voltar pras ruas, onde é mais perigoso. Ou, também, eu que não gosto por exemplo de trabalhar na rua e que quero trabalhar nos prostíbulos, não vai poder, que esses lugares são criminalizados ou têm que existir na ilegalidade, quando sabemos que eles existem, a polícia sabe onde eles existem, isso na ilegalidade, mas a não-aprovação do PL na realidade só beneficia quem se aproveita das pessoas, quem se aproveita dos donos dos prostíbulos, como os policiais, que fazem essas redes de milicianos, entendeu?, que cobram dessas pessoas, que cobram das prostitutas, as donas de prostíbulo, os donos de prostíbulo, suborno, corrupção… Todo mundo sabe onde está, onde estão os prostíbulos todo mundo sabe, todo mundo sabe onde as prostitutas se prostituem. Por que não regulamentar isso, por que sermos hipócritas e então preferirmos ver esses lugares na ilegalidade? “Ah, mas essas pessoas exploram”. Não, são acordos que nós fazemos com essas pessoas. O salão de cabeleireiro, as pessoas que trabalham nos salões de cabeleireiro fazem acordo também com os salões: ou pagam diária, ou pagam até 50%, as manicures têm que pagar até 70%, sabe, e tem uma quantidade de unhas e tudo pra fazer. Tem tudo isso. E só na questão da prostituição é que têm que ser criminalizados os nossos prestadores de serviço, é isso o que nós não queremos. Então, não regulamentaria nem cafetões nem cafetinas, apenas regulamentaria uma rede da qual nós já nos beneficiamos, o benefício pras prostitutas justamente seria esse. Você não tem que ter quantos clientes tem que fazer, não tem essa história de carteira assinada que o pessoal fala, nem cotas, nada disso. Esse é um trabalho mais específico, é diferente, porque vai ser regulamentado mas, da mesma forma que vai ser regulamentado, você vai continuar mantendo a sua autonomia. Então, a sua autonomia sobre quando você tira férias, quando você não tira, é tua, isso não vai ser retirado de você, que é diferente do trabalhador de carteira assinada e tudo. O trabalho da prostituição, o trabalho sexual, tem regras que são específicas dele, que não pode ser comparado com nenhum outro trabalhador autônomo e nenhum outro trabalhador regulamentado pela CLT.”

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