FEMINISMO RADICAL E BANHEIRO PARA PESSOAS TRANS

As feministas radicais que querem banheiro feminino exclusivo para mulher cis[2] partem do pressuposto de que a mulher trans é perfeitamente identificável na multidão, de que nossos genitais estão estampados na nossa cara para quem quiser ver. Nada mais enganoso. Ainda que eu não esteja no rol das trans lidas como cis, existem várias nesse grupo, várias mulheres trans que ninguém imaginaria que têm (ou um dia tiveram) pênis. Como essas feministas gostariam de ter a certeza plena: olhômetro, revista vexatória, nudez, apresentação de documentos, auto-identificação? Auto-identificação descartada de cara (quem confiaria, né?), o olhômetro já se mostrou ineficiente, seja pras trans que passam perfeitamente por cis, seja pras cis que apresentam uma aparência mais máscula e/ou andrógina, por conta disso sofrendo transfobia mesmo sem serem de fato trans. Além disso, nenhum documento de porte cotidiano apresenta a informação do sexo de nascimento, tornando a inferência do mesmo arbitrária, especialmente quando as feministas radicais estão interessadas em negar acesso a banheiros femininos mesmo às mulheres que tiveram seus documentos retificados na justiça. Revista vexatória e nudez também seriam insuficientes, dado o alto grau de sucesso das atuais cirurgias de redesignação sexual (a famosa cirurgia de mudança de sexo)…

No final das contas, a conclusão é só uma: se a mulher tiver que provar que não é trans para usar aquele banheiro, isso valerá pras cis como pras trans e a investigação terá que ser minuciosa, transformando a experiência de ir ao banheiro público num inferno. Não basta parecer mulher cis, nem se auto-identificar, nem apresentar documentos, nem ficar nua: tudo isso pode ser contornável, qualquer discrepância do esperado se transformando num pesadelo pra pessoa que quer somente o direito de fazer suas necessidades básicas, quem sabe lavar as mãos, usar o espelho.

O que as feministas radicais não percebem é que um homem cis não precisa se vestir de mulher para ter acesso ao banheiro feminino e lá poder assediar e estuprar suas vítimas: bastaria que se declarasse homem trans, uma vez que a terapia hormonal à base de testosterona engrossa rápido a voz, dá barba, pêlos corporais fartos, às vezes até calvície, traços que garantiriam uma leitura social da pessoa como homem (homens trans são muito mais facilmente lidos como homem do que mulheres trans são lidas como mulher). A lógica excludente das feministas radicais vale pra mim, que não sou lida como mulher cis (ou melhor, que tenho uma passabilidade trans mais pronunciada do que a cis), assim como para as tantas cis que cada vez mais reivindicam o direito de apresentar uma aparência mais masculina, andrógina. Em que banheiro colocariam Teresa Brant, Thammy Miranda? Antes de querer que provemos que não somos trans, as feministas radicais vão penar pra provar que são cis. E, olha, não é nada difícil essa provação se tornar inconcludente em boa parte dos casos.

A verdade é uma só: pessoas trans existem e cada vez menos pedem desculpa ou licença para existir, para ocupar todos os espaços possíveis da sociedade. Uma vez que existimos e ocupamos, os espaços antes reservados apenas para pessoas cis terão que ser repensados para incluir também nossas demandas, nossas especificidades. Banheiro público terá que decidir se será “feminino” (e, com isso, estará aberto para mulheres, independente se cis ou trans) ou se será baseado em genital, não importando a aparência que a pessoa portadora desse genital tenha (barba e batom convivendo harmoniosamente). E, acima de tudo, terá que decidir como vai fazer para provar que somente pessoas acordes a esses atributos acessarão o espaço.

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