Dito isso, fui no começo do mês ao HC da USP, um dos centros de São Paulo participantes do projeto, pensando que bastaria pedir e me cadastrariam de bouas pra receber o remédio. Qual a surpresa quando, após três horas de entrevista enfadonha altamente invasiva, recebo a notificação dq não sou tão promíscua assim pra participar!? Tem número mágico, gente: se vc não disser que foi ‘ivone’ (de ‘passivona’) sem preservativo com pelo menos xis parceiros ao longo do último ano, nada de PrEP pra vc. Não basta ser travesti, bissexual, ter dificuldades de longa data com a bendita, nem sequer ser puta. O número mágico ao que tudo indica é uns quatro, vc de quatro passiva e sempre no pêlo, sem borracha, senza guanto ou só senza, como dizem, coisa que só descobri quando fui ao outro centro de pesquisa de São Paulo, o CRT. Ali, já vacinada pela outra experiência, chorei as pitangas recordando os momentos pretéritos em q enfrentei o tempo de janela pra fazer o exame e o tempo mesmo de espera para que o exame ficasse pronto, chorei bem chorosinha recordando a nóia por que passei após cada relação desprotegida em que me meti sei lá por quê, chorei decidida e sentidamente a ponto da psicóloga pegar minha mão e dizer que eu era a cara do projeto. Ufa! Nem precisei de lágrimas de crocodilo, na verdade: bastou lembrar o qto eu assumi um comportamento auto-destrutivo, quase suicida, vida afora e o qto eu acreditava que nada teria mudado, ou mudaria, agora que sou mulher e, principalmente, puta. Veio negativo o teste para HIV (o resultado esperado, sempre em desespero), e só preciso voltar no começo do mês pra receber os demais exames (sífilis, hepatite, além doq revela a condição dos meus rins) e, com eles limpinhos, os benditos comprimidos… Enquanto isso, ponho-me a relatar tudo oq ouvi a respeito desse “milagre” no CRT, uma versão MUITO mais honesta e transparente das limitações e potencialidades da PrEP doq oq eu tinha ouvido no HC da USP.
1) CONFIABILIDADE DA PrEP. Como saber que a medicação foi a única responsável por as pessoas que a tomavam de maneira obsessiva não se contaminarem? Estudos posteriores demonstraram que muitas dessas pessoas obsessivas não se interessaram por continuar na medicação após o um ano de pesquisa, pq se deram conta dq o uso da camisinha era mais tranquilo doq imaginavam. Nesse sentido, poderia ser que essas pessoas já fizessem uso regular da camisinha em suas relações e que isso fosse responsável pela prevenção, e não o remédio em si. No entanto, como me disseram os pesquisadores do HC da USP (essa informação não confirmei no CRT), foi medida tb a taxa de infecção por sífilis e essa se manteve estável, oq provaria que as pessoas estavam sim transando sem preservativo e que só o remédio explicaria a diminuição de 99% da taxa de infecção por HIV.
2) 99% DE PROTEÇÃO CONTRA O HIV UMA PINÓIA. A PrEP tem por base o Truvada, duas medicações usadas no coquetel HIV (duas dentre as dezoito possíveis, segundo me explicou a infectologista), e que existem cepas do vírus resistentes a uma ou até mesmo às duas opções que compõem o remédio. Uma pessoa soropositiva que tenha começado a se tratar com elas e que tenha se tratado de maneira irresponsável, dia sim, dia não p.ex., pode ter “queimado essa etapa terapêutica”, i.e., feito com que a cepa dq é portadora se torne resistente a essas medicações: oras, caso eu me exponha a situação de risco com uma cepa dessas, a chance da medicação me proteger cai drasticamente, ainda que a pesquisadora me garanta que ela seja maior de qqr maneira — 90% de proteção na melhor das hipóteses, foi oq ela me disse, e 90% não é 99% e muito menos 100%.
3) PREJUDICAR UM POSSÍVEL FUTURO TRATAMENTO CONTRA O HIV. Caso eu me infecte enquanto estou tomando a medicação (seja por tomá-la de forma irresponsável, i.e., de forma não obsessiva, seja por estar lidando com uma cepa resistente), posso acabar queimando a possibilidade de usar essa medicação como base do meu coquetel para tratar-me da doença. Sendo a PrEP uma versão simplificada do coquetel, ou seja, inadequada para tratamento e controle da carga viral, tomá-la em simultâneo à infecção pode tornar a cepa que porto resistente à medicação e, com isso, diminuir as minhas possibilidades de tratamento. São dezoito as possibilidades do coquetel, mas cada uma delas apresenta uma série xis de efeitos colaterais e muitas vezes a pessoa prefere abandonar o tratamento a conviver com esses efeitos. Nesse sentido, eliminar duas opções de tratamento (que podem produzir no meu corpo efeito colateral não tão pesado quanto oq outras medicações produzem) é potencialmente arriscado.
4) DSTs E PrEP. A presença de outras DSTs pode aumentar a chance de infecção pelo HIV ainda que eu esteja sob tutela da PrEP, pois elas debilitam o meu sistema imunológico e, com isso, diminuem a taxa de proteção do remédio. Portanto é de extrema importância o acompanhamento médico constante em caso de repetidas relações sexuais desprotegidas, especialmente quando ocorram com parceires de sorologia desconhecida (i.e., pessoas que não têm um exame de sangue fresquinho, recente, pessoas comprovadamente soronegativas).
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