Ele suava frio segurando minha mão em plena rua deserta, iniciativa dele, só nós dois e uns poucos carros. Era nítido que queria mostrar pro mundo que eu tinha dono, mas de qqr forma só conseguiu fazê-lo ali, quando já não havia quem visse… fiquei lisonjeada, é claro, e lembrei de como eu mesma me senti a primeira vez que fui ao shopping com uma namorada travesti, nos idos dos meus dezessete, dezoito anos, querendo-não-querendo que vissem. Me diverti vendo aquelas angústias não ditas, dele mas tb tão minhas, eu agora assumindo o papel da “pessoa com quem não se deve ser visto”. Será que desde a rodoviária ele queria agarrar minha mão, andar de mãos dadas? Se sim, a coragem suprema só veio quando chegamos à tal rua dos hoteizinhos, quando não havia na rua mais q esses dois bocós. Gostei mesmo assim.
Bom, fui buscá-lo na rodoviária, beijoca no rosto e nada de intimidades, pra irmos nalgum daqueles hoteizinhos ao redor passar a noite. Pratico ferozmente o desapego pra não ficar enciumada com o qto toda vez ele gasta pra vir me ver (cem do hotel, uns trinta e cinco da passagem ida e volta, às vezes táxi, e comigo só os malditos benditos cinquenta — mas ele volta sempre, uma vez pelo menos por mês, e parece que guarda todas as economias pra isso). Azamiga diz pra não acreditar em penúria alheia, desculpinha pra nos desvalorizar ou querer de graça, mas a verdade é que ele nunca alegou nada disso… foi sempre eu que intuí e que quis valorizar a iniciativa. Ele me trata bem, tem isso ainda, e me deixa super tarada. Fora que da última vez que fui trabalhar na zona fiz três programas, passei passando frio toda a noite, horas a fio, e voltei pra casa com míseros oito merréis (“oq se ganha lá lá fica”, célebre dito)… agora os cinquentinha limpos pelo menos tenho.
Portas fechadas, só aí é que ele me beijou, e como beijou. Hálito de quem dormiu a viagem toda, não tão delícia assim, mas aos poucos fui me acostumando e já nem se notava. Beijou com a saudade de quem faz um mês certinho que não via a amada Amara Moira e eu beijei de volta, precisada que estava de beijos, daqueles beijos, de beijos quaisquer desde que dados como aqueles. Eu, nova nessas vivências, buscava reaprender a beijar, a participar do jogo: não mais o meu falecido eu era quem estava ali, mas sim a Amara e eu me preocupava, talvez só agora atentei pra isso, em tentar beijar como mulher, tentar agarrar, abraçar, me dar todinha, ainda no momento beijo, como mulher. Coisas mudam quando você se lança de cabeça na transição, o andar, a postura, a forma de interagir com as pessoas, o tom de voz, coisas que vivo como um desafio auto-imposto mais doq uma obrigação. Dali começamos a tirar as roupas, cada um as suas, meio desengonçados e sem charme algum… o tesão em ambos era evidente mas parecia que a qqr momento alguém faria algo suficientemente engraçado pra acabar com o clima!
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